Margarida ajeitou-se na poltrona. 3h40 da manhã, ampoule dizia o relógio. Lion ainda dormia sem sobressaltos, dosage mas se aproximava a hora do seu terror noturno cotidiano. Já havia uma semana que ela observava o sono dele, fazendo um inventário das reações, da balbúcie, alguma memória fresca se despertasse abruptamente. Fazia anotações no mesmo caderno que Lion já usava. Leu registros antigos e aos poucos foi tornando-se a memória daquele romance de amnésia.
?s 4h em ponto Lion rugiu. O sangue de Margarida se aqueceu e mudou de direção. Ele agia, e no corpo dela o que é líquido reagia. Lion bocejava e Margarida era um lago arejado.
Os olhos dele abriram ainda embotados de sonhos. Um segundo. Dois segundos.
– Helicanto?
– Margarida, Lion, Margarida. Volta a dormir, estou aqui.

Em 10 de maio de 2010 empenhamo-nos a construir um teaser da obra QUARTO 13, page algo que de modo reduzido nos auxiliasse a re-conhecer as próprias questões, cooperando no processo de validação da ação e pesquisa em (des)envolvimento; partimos das perguntas: em que ponto estamos? Quais as dificuldades? Há iniciação de novas práticas?
Após algumas conversas sobre o que seria o teaser e apesar de reconhecer o afeto como bloco firme e angular de nossos pilares performáticos, dispomo-nos a trabalhar com a questão da instalação e possibilidades de descrever aquilo que algum dia havia sido a experiência primeira do Quarto 13, conjugando então as modalidades do tempo. Trabalhamos, pois, um sorteio onde os três propositores (a esta altura Datan e Ana C. já haviam inaugurado novos nortes às suas pesquisas) a partir de uma brincadeira comum à infância, denominada ?zero ou um??, jogavam com o azar para ver quem ficaria de fora. As duas figuras que permaneciam no jogo entravam com quatro integrantes do público (visitantes breves do quarto 13); a ?sobra?? ou o rastro da intimidade da casa permanecia lá fora realizando ações simples como caminhar, sentar, conversar e observar.
Dentro, diante das quatro pessoas, os intérpretes faziam mais um jogo de sorte (denominado cara ou coroa) para saber qual dentre eles performaria e qual outro apenas observaria as ações performáticas. Este jogo aleatório permitia ao público ver a cada momento coisas diferentes e, desse modo, intrigar-se com a possibilidade de ver a obra completa. As pessoas que já haviam visitado anteriormente o Quarto 13 obtiveram nesta experiência o rastro da modalidade projetada na primeira vez através de uma re-visita em tom descritivo.
Muitas questões surgiram e algumas visitas, que entraram no QUARTO 13, chegaram a dizer que a experiência não significou nada; aí, para finalizar utilizamo-nos de uma estratégia validada por Beethoven após executar ao piano uma de suas composições e ouvir alguém lhe perguntar: ?Que quer o senhor dizer com esta peça musical? Que é que ela significa??? ?O que ela significa? (redargüiu ele) O que quero dizer? ? simples.?? Assentou-se ao piano e executou a mesma peça. Isto porque ela não significava coisa alguma, ela era a própria coisa.
Deve ser, por isso, que Marcelo Evelin nos diz que a arte não serve para nada, a arte não deve servir, ou seja, submeter-se ou subjugar-se a padrões que regulam identificações, reconhecimentos e impedem a livre expressão. As coisas mais sérias que fazemos, já dizia Rubem Alves, nada tem que ver com a utilidade; e é por isso talvez que Picasso diz, num passado que reverbera o presente e se impregna de porvir: ?todos tentam entender a arte (…) porque não tentam entender a canção de um pássaro? (…) quem tenta explicar quadros acaba se esforçando em vão??