Durante as residências, troche ficamos juntos e junto. Vivenciamos uma rotina comum em diversas medidas, page certas cumplicidades e bons afetos. Já nos seus intervalos, há uma espécie de ressaca, suspensão, dispersão. Uma introspecção necessária, talvez, ou um revigorar individual, o que seja. A questão é que, de fato, há outro movimento e tenho tentado ficar atento a ele.
? que morar em Teresina, na falta de um contato humano mais recorrente entre os colegas de colaboratório, como também com os artistas locais, tem possibilitado sentir que a cidade ensina muito e o corpo aprende (e apreende) rápido, e vice-versa, em um contato-contágio contaminante. Por isso, vem se engendrando em mim e comigo um Colaboratório com a Cidade de Teresina. Aqui, nesse questionar “o que fazer quando não há residência”, ou mesmo durante as residências, aventur-me por rotas incertas para descobrir e conhecer uma teresina intersticial: meu corpo está dançando com ela.
Claro que há algo de turístico nesse descobrir-conhecer, principalmente porque sou considerado mesmo como turísta, quer seja pelos óculos (como disse Izaká nas nossas idas ao centro de metrö para almoçar); ou, talvez, pelo jeito curioso de perguntar as coisas e fazer umas paragens nas praças. Só quem é de fora é que admira o que é habitual do outros, tipo a sensação do primeiro contato. Um olhar que pede e se perde no cruzar com coisas e pessoas.
Acordo cedo e vou tomar café na padaria aqui perto onde estou “morando”. Alíás, há muitas padarias na capital piauiense, abrem bem cedo, por volta de 5h30, e fecham lá para as 21h. Um lugar interessante para perceber a rotina do bairro, as escolhas do que comer, a televisão ligada na Globo ou em algum programa policial sensacionalista, sem contas as músicas que, por acaso, ouço passando pelas casas no percurso a pé ou pro ponto de ônibus.
Conheci também a Casa da Cultura, próximo a Praça Saraiva. Uma casa antiga reformada que tem uma boa biblioteca. Inclusive, há uma seção só para dança que, apesar de ter poucos e bons livros, mostra sensibilidade no tratar a dança como área artística e específica (Cleidinha, podemos ir lá para estudarmos juntos, como voce sugeriu um dia desses). Em geral, não só nas bibliotecas, mas nas livrarias (que não deixam de ser bibliotecas pra mim), a dança é colocada com a educação física, distante do setor de artes. Insensatez!
Ainda neste centro cultural, a biblioteca tem ar-condicionado, coisa boa por aqui, e uma sala de vídeo que exibe, gratuitamente, filmes brasileiros e de outros países, de terça à sexta, sempre às 18h30. Assisti o brasileiro Eu Tu Eles e o italiano Ensaio de Orquestra (Prova d’orchestra). Este último, de Fellini, é uma boa dica para assistirmos juntos em algum outro momento de encontro. Mostra os dilemas políticos e artísticos dos músicos e seus instrumentos num contexto de total subversão à uma lógica sindical de direitos e deveres (ver resenha crítica).
Quando saio da “sessão”, a cidade que antes se despedia do dia de trabalho, já num entardecer ameno (lojas fechando, com movimento de pessoas, certo frenesi) aparece como deserta, baixa iluminação na Praça, com pouquíssimas pessoas. Parece outra cidade e, de fato, é, pois quando anoitece, tudo muda.
Nesse movimento, sempre passo pela Avenida Frei Serafim, que é um espaço para se caminhar e conhecer pessoas, como elas se comportam, conversam. ? que nesta avenida há um corredor de passeio que separa as duas mãos de tráfego. Um dia desses voltei a pé do Centro aqui para o São João, percorrendo toda a avenida, foi revigorante.
Ainda nessas caminhadas, já passei pelas pontes que cruzam o Rio Poty e o Rio Parnaíba. Gosto da vista de cima, de imaginar outra pessoa lá do outro lado, noutra ponte, me acenando com a mão ou dando um grito de liberdade.
One Comment
1 Lúcia Matos wrote:
Oi Joubert,
Bacana seu texto.
Como é importante essa permissividade no contatro com outros esapços.
Seu texto, que não deixa de ter um caráter etnográfico, que me faz lembrar o flâneur de Walter Benjamin. ? nessa relação com outros espaços que percebemos que o corpo “arrasta” o espaço, assim como nosso corpo deixa marcas nos espaços em que transitamos.
Abraços,
Lúcia Matos