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Ainda em Luís Correia o Aguirre me emprestou um livro da Susan Sontag, help “Sobre Fotografia”, ask leitura maravilhosa que caiu como uma luva pro trabalho que eu comecei lá com o Samuel, o Filme de Guerra, e vem a calhar também pra todo o povo da violência. Uma reflexão sobre como as fotografias operam em nós e como nos lançamos na produção de imagens, particularmente as imagens do horror e da guerra, que ela veio desenvolver trinta anos mais tarde, pós 11 de setembro, em “Diante da Dor dos Outros“, que eu estou relendo agora. Esse foi o livro de cabeceira de uma criação que eu participei com a Lia Rodrigues em 2005, Encarnado, e me marcou muito essa leitura. Aí embaixo eu transcrevi uns trechos de ambos os livros, recomendo muito!
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(…) Fotos chocam na proporção em que mostram algo novo. Infelizmente, o custo disso não pára de subir – em parte, por conta da mera proliferação dessa imagens de horror. O primeiro contato de uma pessoa com o inventário fotográfico do horror supremo é uma espécie de revelação, a revelação prototipicamente moderna: uma epifania negativa. Pra mim, foram as fotos de Bergen-Belsen e de Dachau com que topei por acaso numa livraria de Santa Monica em julho de 1945. Nada que tinha visto – em fotos ou na vida real – me ferira de forma tão contundente, tão profunda, tão instantânea. De fato, parece-me plausível dividir minha vida em duas partes, antes de ver aquelas fotos (eu tinha doze anos) e depois, embora isso tenha ocorrido muitos anos antes de eu compreender plenamente do que tratavam.Que bem me fez ver essas fotos? Eram apenas fotos – de um evento do qual eu pouco ouvira falar e no qual eu não podia interferir, fotos de um sofrimento que eu mal conseguia imaginar e que eu não podia aliviar de maneira alguma. Quando olhei para essas fotos, algo se partiu. Algum limite foi atingido – e não só o do horror; senti-me irremediavelmente aflita, ferida, mas uma parte de meus sentimentos começou a se retesar; algo morreu; algo ainda está chorando.
Sofrer é uma coisa; outra coisa é viver com imagens fotográficas do sofrimento, o que não reforça necessariamente a consciência e a capacidade de ser compassivo. Também pode corrompê-las. Depois de ver tais imagens, a pessoa tem aberto a sua frente o caminho para ver mais – e cada vez mais. As imagens paralisam. As imagens anestesiam. Um evento conhecido por meio de fotos certamente se torna mais real do que seria se a pessoa jamais tivesse visto as fotos – pensem na guerra do Vietnã. (Para um contra-exemplo pensem no arquipélago de Gulag, do qual não temos nenhuma foto.) Mas, após uma repetida exposição a imagens, o evento também se torna menos real.
A mesma lei vigora para o mal e para a fotografia. O choque das atrocidades fotografadas se desgasta com a exposição repetida, assim como a surpresa e o desnorteamento sentidos na primeira vez que se vê um filme pornográfico se desgastam depois que a pessoa vê mais alguns. O sentimento de tabu que nos deixa indignados e pesarosos não é muito mais vigoroso do que o sentimento de tabu que rege a definição do que é obsceno. E ambos têm sido experimentados de forma dolorosa em anos recentes. O vasto catálogo fotográfico da desgraça e da injustiça em todo mundo deu a todos certa familiaridade com a atrocidade, levando o horrível a parecer mais comum – levando-o a parecer familiar, distante (“é só uma foto”), inevitável. Na época das primeiras fotos dos campos nazistas, nada havia de banal nessas imagens. Após trinta anos, talvez tenhamos chegado a um ponto de saturação. Nas últimas décadas, a fotografia “consciente” fez, no mínimo, tanto para amortecer a consciência como para despertá-la.
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A fotografia dá a entender que conhecemos o mundo se o aceitamos tal como a câmera o registra. Mas isso é o contrário de compreender, que parte de não aceitar o mundo tal como ele aparenta ser. Toda possibilidade de compreensão está enraizada na capacidade de dizer não. Estritamente falando, nunca se compreende nada a partir de uma foto. (…) Em contraste com a relação amorosa, que se baseia na aparência, a compreensão se baseia no funcionamento. E o funcionamento se dá no tempo e deve ser explicado no tempo. Só o que narra pode levar-nos a compreender. (…)”
Na caverna de Platão (1973) – ensaio publicado em “Sobre Fotografia”
(…) De fato, há muitos usos para as inúmeras oportunidades oferecidas pela vida moderna de ver – à distância, por meio da fotografia – a dor de outras pessoas. Fotos de uma atrocidade podem suscitar reações opostas. Um apelo em favor da paz. Um clamor de vingança. Ou apenas a atordoada consciência, continuamente reabastecida por informações fotográficas, de que coisas terríveis acontecem. (…) A caçada de imagens mais dramáticas (como, muitas vezes, são definidas) orienta o trabalho fotográfico e constitui uma parte da normalidade de uma cultura em que o choque se tornou um estímulo primordial de consumo e uma fonte de valor. “A beleza será convulsiva, ou não será”, proclamou André Breton. Ele chamou esse ideal estético de “surrealista” mas, numa cultura radicalmente renovada pela ascendência de valores mercantis, pedir que as imagens abalem, clamem, despertem parece antes um realismo elementar, além de bom senso para negócios. De que outro modo se pode obter atenção para um produto ou uma obra de arte? De que outro modo deixar uma marca mais funda quando existe uma incessante exposição a imagens e uma excessiva exposição a um punhado de imagens vistas e revistas muitas vezes? A imagem como choque e a imagem como clichê são dois aspectos da mesma presença. (…)
“Diante da dor dos outros” (2003)
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A Foto “Execução de (em) Saigon”, que recebeu o prêmio Pulitzer de fotojornalismo (spot news photography) em 1969, tornou-se um ícone de fotografias de conflito.
Abaixo, alguns remakes encontrados na net…
Eddie Adams ? Saigon Execution ? photograph ? 1968 ? Vietnam
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Henry VIII?s Wives ? Iconic Moments of the 20th Century ? photograph ? 2007 ? UK
Mark Daughhetee ? Hosed ? photograph ? 2004 ? USA
Borf Brigade ? The Consolation of Ruin ? 2007 ? USA
Mike Stimpson ? photograph ? 2007 ? UK
Xiang Jing ? Bang! ? sculpture ? 2002 ? China
Amnesty International ? print ? 2005 ? New Zealand
Dolk Lundgren ? Weed Killer ? graffiti ? 2008 ? Norway
Franck Réthoré ? painting ? 2007 ? France
Kenyon Bajus ? Execution ? print ? 2004 ? USA
Krista Wortendyke ? Iconic Recall ? print ? USA.
minipliman ? print ? 2009 ? Germany
Liu Jin ? News ? Wangfujing ? photograph ? 2001 ? China